20/11/2009

Em nada vale

Patrão,
Quanto vale um saco cheio de promessas,
Um silêncio sem razão,
Algemas na mente
O silêncio na augusta lágrima da gente?
Patrão!

Quanto vale a minha escova no seu sapato?
Mesmo sobre o âmago das minhas silenciosas feridas
Rejuvenescidas na felicidade da minha dor
Defeito dos seus enfeites
Mesmo sobre o tapete do meu estômago
Empanturrado pela fome de pão
Quanto vale, patrão?
Um tambor cheio de álcool para matar-o-bicho
Um saco de pão de pedras para o mata-bicho

Quanto vale, patrão?
A minha língua roçar a sua bota
Num stripts
Até entupir o meu esófago
Sem fôlego
Da sujeira dos seus males? Latrão!

Quanto pesa o seu saco desejo patrão,
Ao reboque da minha mente e cintura
Nesta nova (minha) facial pintura?
O silêncio da minha mente
A esperança do Sol da gente
O cheiro da nossa morte? Patrão!

- Nada vale! Em nada vale!
Inchar os músculos à escova
Enferidar a língua de lamber
Engrossar da saliva de desejo
Formatar a mente
Na esperança de ser Gente
Sapateiro sem sapato
Engraxador sem engraxe,
Em nada vale, patrão!
Vidal Vicente
09/10/09

07/10/2009

Machismo

Tudo tem eco e tem som
Se sua direcção é Maria
Toda metáfora que a ela se refere,
fere
Aos machos beleza

A Maria é puta
O João é puto
Bastou um “a” para ser de má vida
Um “o” para ser o filho da mãe

Já não se chama a mulher do rato
na frente do papá
experimenta, verá
diga: que rata grande
se arrependerá

(…)

Machistas!
Para o homem tudo é prestígio
- sou bode, boi, galo…
Deus Santo! Elas já não dizem:
- sou cabra, vaca, galinha…
Seria ousadia de mais.

Os machos andam de troncos nus
De biquines de mangas compridas
Isehh! Tudo bom!
E elas,
mal mostram um pedaço da perna
para todos ficarem de hérnia no coração
pedaços de tsaco
para chamarem as pedras da bíblia
e pintarem-se de neve
santos pecadores.
Vidal Vicente Come

06/10/2009

Luto na terra

Toca tambor,
Toca!
Nem das mãos dos velhos tocadores
Tambor não toca
Nem nas pacatas vitórias da pobreza
Nem das mãos de Nwakilambo, Faquir, João...
Dos Craverinhas, dos Sócrates
Nem das minhas, das tuas mãos
O tambor não toca
Nem há espaço para a troca.

O pássaro já não canta na aurora do dia
E nós continuamos tão cegos como ontem
Seguindo os trilhos de uma só estrela – a estrela de um só...

Nem a misteriosa ave aparece
Para encher nossas panças pálidas de fome e de esperança
Para anunciar as fieis colheitas do milho
Já envenenado pelos dois que seguiram Cristo na cruz
E o tambor não toca para as nossas atrofiadas vontades.

Toca tambor, tambor não toca
Nem para mim, nem para ti tambor toca
Se a ti toca, não te enche a alma
Se te enche, é de melancolia.

Nem o galo voa, cortaram as asas
Nem o Galo uiva, cortaram o bico – ficou mudo
Que fariam as formigas (?) – surdas
Debandarem aos sussurros.

O Milho cheira à pólvora
Amanhã não sei o que será dos meus irmãos
Se já andam envelhecidos pelo jejum da vida inteira
Se já perderam as ancas na esteira da esperança.

Mãos cansadas de dedilhar o mesmo milho
Dividem pelos bolsos os grãos do milho
Desterraram a esperança já oca da gente
Venderam as baquetes dos tambores do povo
Por banquetes familiares
E as lágrimas da malta vão-se perpetuando
Nesta esperança que já não impera
E menos se espera neste holocausto mental
Última esperança que nos resta
É o regresso do filho do Homem.
30/09/09
Vidal Vicente Come

Sonho relatado

De abraço recebo-te
Nos teus lábios mergulho
Colo,
Passo a passo
Recuo no escuro da doçura dos teus lábios
Ai! Ai!...
A cama esbarre-nos
Estendo-te como mapa
No chão da minha alma
E do apagador das minhas mãos
Limpo-te
Equipo-te como nasceste
Percorro pelo olhar
Do sul do teu corpo,
Passando pelas alavancas
Até me perder no açúcar da nossa morte
E as minhas mãos, minhas toalhas
Rastejam pelo matagal do teu corpo
E afundam no poço da tua feminidade
E aí saltas
Como se um fio invadisse o tubo de escape
Desisto, mas insisto em direcção ao norte
Chego na zona dos montes
Amasso-os com as minhas mãos mansas
Faço-as de chuchas
E aumento a electricidade do teu corpo
E teus olhos se envermelham
Nas poucas vezes que rompem de prazer
Para me dizer:
-Chega! Amor chega,…chega…

Na tua boca o fogo enormece
Sou bombeiro, apago a chama
Com a saliva da minha boca
Enquanto os meus dedos penteiam os teus longos cabelos
E o joão este belo rapaz
Perde-se no teu copo
E aí…
Vidal Vicente Come
29/03/09

01/09/2009

Sátira

Por que te empolgas
Nesse buraco te afogas?
Acorda!
As mulheres são ratas
É por isso que somos gatos
de costas enrugam-se,
roem-nos
e de frente raios de dentes
pétalas de rosas
palavras lindas
lençóis da nossa alma
- Amor, te amo!
Puro engano!
Por que te elevas
Se nem o chão te merece?
Pensa!
Se fosse carro não teria travões
Se fosse estrada
Estaria cheia de covas
Rede de pesca, fim de Chicuque
Se fosse sapato, não teria atrito
Se fosse chapa
Mangueme negava ser cobrador
O mecânico diria: compra outro
Por que te exaltas
Se nem para adubo serve
Saia dessa
enquanto o sol sorri!

Vidal Vicente Come

Tchova

Sou tchova. Tchova-me lá
Sou tua, tchova-me com jeito
Sou tchova quero-te transportar no prazer
Quando não me tchovas não me alegro
Tchova-me com jeito a estrada não está boa
Senão me partes a mola, cuida desta cova
Sou tua, sou teu tchova
Se não me levas à …, não me alegro
Se cansar de tchovar nesta cidade
Durma em mim,
Faça tudo o que quiser em mim
Se acordares e pegares no teu volante
Na moleza de ferro, meta na estrada
Passeia pelo dumbanengue, Chambone,
Nesse vaivém em minha, nossa estrada
Castigue-me de tchovar
Não pára, adoro o teu volante,
Meu companheiro.

Vidal Vicente

Malala

Ao Adérito Magumane
Malala infana wa Duanane
U cigula gumaso u cihonetela


O peito pesa-me
A garganta atiça, não consigo cuspir
Só tenho vontade de me despir
Para que o mundo chame-me de louco
Até porque já o sou
Que homem sou, se não posso falar?
Que homem sou, se não posso cuspir?
Vivo num sítio
Num hospício
Onde a mente anda acorrentada
A boca cadeada
Até o menino encravado, nada pode fazer
Se o que quero não posso dizer
No malala
Nicthi gula ngu maso nicihonetela
Ditiko da changa


Coisas lindas escasseiam
Homens andam carregados de estranhos na alma
Trocaram Cristo pelo eu
Queimaram a Bíblia nas mãos do Padre
Aos domingos carregam cruzes na face
Deitam lágrimas hipócritas
Sorrisos de prostitutas
Almas cheias de veneno
Recebem o corpo e o sangue de Cristo
Na saída da porta da igreja, vestem os fatos da imundice
Mudam de rosto aos punhos da imundice
Talemela. Natilava kumalala
Kanitikote


Uns enrolam a suruma em evangelho
Ainda dizem que hoje, é em São João,
Ontem, foi em São Mateus
Amanhã, será em São Paulo,
Até porque este foi nosso…
Na igreja para ser acólito vai-se ao curandeiro
Domar primeiro o catequista, o padre/ o pastor
E saltar para o altar com cara de santo
E subir…
No serviço não se fala…
A cadeira virou caldeirão
Os burros mandam
E os cabeças murmurram para as paredes
(...)
Malala infana wa Duanane
31/08/2009
Vidal Vicente Come

25/08/2009

Às lagrimas do meu amigo...

Desilusão
Se eu tivesse pressentido quanta dor teria
Não teria seguido os teus passos Maria
Perdendo o meu pobre tempo, que melhor merecia
Rogando-te por um amor que não teria
Perdi noites e dias
Aos dicionários e romances de amor
Às novelas e poemas de amor
Querendo-te ter o mais rápido que podia
Fiz-me de arquitecto desta má lembrança
Peguei numa folha, régua e mais
E projectei uma obra grande de mais
Cromada de amor e muita esperança
Fiz-me de pedreiro, enquanto padeiro
De pedra em pedra fui erguendo esta dor
E num piscar de olhos preferiste o galinheiro
Deixando-me solitário e com tanta dor.
Vidal Vicente

Último juízo

No banco dos réus
rumo aos céus,
meu desejo
lá, eu estava em último juízo

O que fizeste na terra?
- Logo ao sair chorei
o povo da aldeia comigo rimava,
chorava
ao jazer dos homens na floresta
fui crescendo envoltado no mar de luto
onde o saber era parar almas
onde os tímpanos
fechavam pelo cantar das armas
fui crescendo
às famas e infâmias
à manta da vida puxando,
robando e matando

Mais tarde do sonambulismo despertei
ao bom caminho olhei e caminhei
às pegadas de Cristo segui
fui doando amor por todos que conheci
chorando, rezando por todos tristes e pobres que vi
chorando por mim que nada em sonho consegui
dos amigos que perdi
vivos e mortos
(...)
- Perdão!

Vidal Vicente

Aquilo

Tão romãntica e sexe aparecia
comigo aquecia, mexia
encostava-me o seu corpo quente
acarreciava-me,
beijava-me fortemente
mas não dizia o que ela queria

Poemas declamava
mas nada declarava
as vestes puxava
e em seus músculos me espelhava
mas não dizia o que ela queria

Em minhas mãos pegava
pelos seus seios passava
fazia delas sua toalha
descia, descia, descia...
o meu corpo aquecia
e ela descia, descia...
minhas mãos em seu corpo
mas nào dizia o que ela queria

E eu tremia, tremia, tremia...
Coração fortemente batia, batia...
já não controlava a emoção
não precisava de ajuda na condução
porque já sabia o que ela queria
- Aquilo!
Vidal Vicente